Por David Rodrigues*. Volto àquela crítica que tão frequentemente se faz à Educação:
empreender demasiadas reformas. Diz-se até que algumas destas reformas
acabam por ser “reformadas” antes que tenham tempo de reformar o que
quer que seja.
Existiram reformas que, a meio da sua implementação foram julgadas
inadequadas. É certo que sim. Mas estes casos pontuais – a maioria das
vezes relacionados com programas curriculares – não podem justificar uma
empedernida resistência a que algo se mude na Educação em nome da
“estabilidade”. Às vozes que clamam “Deem tempo à Educação para
sedimentar os seus procedimentos” devemos perguntar: “Sedimentar o quê?
Práticas e modelos que já provaram que estão desajustados aos alunos de
hoje?”
Recentemente vieram a público dois
movimentos reformistas de sistemas de educação e de ensino de grande
impacto. O primeiro foi desenvolvido pelas escolas jesuíticas da
Catalunha. Em três colégios foi posta em prática uma ambiciosa reforma
chamada “Educació 2020” que implicou uma alteração radical na forma como
as escolas se organizam. Foram abolidas as disciplinas, os exames e os
horários e a aprendizagem dos alunos desenrola-se inteiramente em grupos
com a supervisão de professores. Segundo um dos responsáveis desta
reforma: “A escola é o local onde mais se fala de trabalho de grupo e
aquele onde menos se pratica.” Trata-se, segundo o mesmo responsável “de
procurar desenvolver todo o potencial dos alunos tornando-os
protagonistas e levando-os a descobrir o seu projeto de vida e
ensiná-los a refletir, porque eles vão viver numa época que os vai
surpreender”. Os resultados na motivação dos alunos são evidentes e eles
participam empenhadamente nos projetos que delinearam e pelos quais se
tornaram responsáveis. Esta reforma não pode deixar de atribuir notas,
mas, para lá chegar, analisa primeiro quais as competências que o aluno
adquiriu e logo, mediante um algoritmo, transforma as competências
adquiridas nas notas que são legalmente requeridas.
Uma outra reforma é aquela que o
Ministério da Educação francês acaba de propor para entrar em vigor no
ensino secundário já em 2016. O ponto de partida enunciado pela ministra
de Educação francesa, Najat Vallaud-Belkacem, é o de que o ensino
secundário é antes de mais profundamente inigualitário, que não é
significativo para um grande número de alunos que se aborrecem, se
desmotivam e precocemente têm insucesso e abandonam a escola. Esta
reforma assenta em três pilares: flexibilidade, autonomia e
interdisciplinaridade. A reforma do Governo francês sustenta que as
escolas devem alterar a sua forma de ensinar, dando mais importância aos
trabalhos de projeto, aos trabalhos de grupo e proporcionando aos
alunos oportunidades de procurar relacionar a sua aprendizagem com
aspetos práticos do quotidiano, tornando as suas aprendizagens úteis,
coerentes e significativas. Este programa implica a criação de módulos
transversais e interdisciplinares como, por exemplo, “Desenvolvimento
sustentável” ou “O mundo económico e profissional”. Um quinto do horário
global da escola é deixado à responsabilidade dos professores para
desenvolver “novas formas de ensino”, trabalho em pequenos grupos,
acompanhamento personalizado e o aprofundamento disciplinar.
Estes dois exemplos mostram que ser
avesso a reformas estruturais da Educação é, no tempo presente, uma
posição não só conservadora mas irresponsável face à responsabilidade de
prepararmos os nossos jovens para participar e serem úteis nas
sociedades do futuro. A perspetiva do back to basics, isto é,
regressar aos currículos, às metodologias, aos valores e à organização
da escola na qual os mais velhos foram educados, é um sonho de alguns
que, se for cumprido, se tornará para os nossos alunos um verdadeiro
pesadelo.
O Ministério da Educação francês não
hesita em intitular a sua reforma como uma “refundação da escola”.
Refundar a escola significa que é necessário e urgente que a escola
volte a ser pensada, porque a forma como ela foi pensada no século XIX –
e que não sofreu mudanças essenciais desde então – não é adequada aos
tempos que vivemos. Não se adequa, porque a escola “antiga” foi pensada
para ensinar só alguns e não todos, foi pensada para ser frequentada por
alunos evidentemente motivados e identificados com a linguagem e
ambientes que nela se produziam, foi pensada para que não se pensasse,
só se transmitisse e reproduzisse mais tarde o que foi transmitido.
Refundar a escola é pois uma
necessidade para que os alunos encontrem na vida escolar a alegria do
conhecimento, a fraternidade da relação e o sonho da descoberta.
*Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Fonte: UOL
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