Os Tribunais brasileiros já se posicionaram sobre o tema das Imunidades Tributárias das novas mídias eletrônicas. As discussões que anteriormente envolviam os livros, jornais e periódicos impressos em papel, passaram a contar também com os CD-Roms e novas formas de mídias eletrônicas.
Conforme dispõe o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Assim, os tribunais não poderiam deixar de apreciar questão tão nova e interessante em nosso ordenamento jurídico.
Entendimentos contrários à possibilidade de Imunidades Tributárias
aos CDs são minoria, mas ainda encontraram respaldo em alguns de nossos
tribunais, como podemos verificar em decisão proferida pelo Tribunal de
Justiça do Estado de Goiás na Apelação Cível em Mandado de Segurança
55839-9/189, de 5/12/2002:
“Mandado de Segurança. Impostos. ICMS CD Rom. Imunidade
Tributária – Inexistência. Hipótese não contemplada no artigo 150,
inciso VI, alínea d da Constituição Federal. Interpretação não
extensiva. Não é qualquer papel que está imune à tributação de impostos,
mas apenas aquele destinado à impressão de livros, jornais e
periódicos, descabendo estender-se o benefício de natureza
constitucional a outras hipóteses não contempladas pela constituição,
vale dizer, para abranger outros insumos como o livro “ELETRÔNICO”, em
forma de CD-Rom. Apelo conhecido e improvido”.[1]
Já em posição favorável à tese das imunidades tributárias aos livros
eletrônicos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na
Apelação Cível 1996.001.01801, tendo como partes o Estado do Rio de
Janeiro e uma Editora, proferiu a seguinte decisão:
“Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao
ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal.
Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento de
dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural – “software”. A
lição de Aliomar Baleeiro:” Livros, jornais e periódicos transmitem
aquelas idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias
sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou
por imagens e, ainda, por signos Braile destinado a cegos”. A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio “no tax on knowledges”. Segurança concedida.”[2] (Grifamos)
Os Tribunais Regionais Federais também apreciaram questões sobre a
extensão das Imunidades Tributárias aos livros eletrônicos. As decisões
são favoráveis, entendendo de forma teleológica, dando efetividade aos
princípios constitucionais da livre manifestação de pensamento, de
expressão da atividade intelectual, comunicação e de acesso à
informação.
Tribunal Regional Federal da 4º Região, Processo 1998.04.01.090888-5, Relator Juiz João Pedro Gebran Neto:
“Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom. 1
– O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom,
não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150, VI, d, da
Constituição Federal, porquanto isto não desnatura como um dos meios de
informação protegidos contra a tributação.
2 – Interpretação sistemática e teleológica do
texto constitucional, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade
aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso
à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última
análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho, havendo liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber ( art., 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.).[3] (Grifamos).
E, ainda, em diversos outros julgamentos proferidos pelos Tribunais
Regionais Federais, temos os seguintes posicionamentos favoráveis à tese
das imunidades tributárias aos chamados “livros eletrônicos”:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. LIVROS ELETRÔNICOS E ACESSÓRIOS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E EVOLUTIVA. POSSIBILIDADE. 1. Na hipótese dos autos, a imunidade
assume a roupagem do tipo objetiva, pois atribui a benesse a
determinados bens, considerados relevantes pelo legislador constituinte.
2. O preceito prestigia diversos valores, tais como a liberdade de
comunicação e de manifestação do pensamento; a expressão da atividade
intelectual, artística e científica e o acesso e difusão da cultura e da
educação. 3. Conquanto a imunidade tributária
constitua exceção à regra jurídica de tributação, não nos parece
razoável atribuir-lhe interpretação exclusivamente léxica, em detrimento
das demais regras de hermenêutica e do “espírito da lei” exprimido no
comando constitucional. 4. Hodiernamente, o vocábulo “livro” não se
restringe à convencional coleção de folhas de papel, cortadas, dobradas e
unidas em cadernos. 5. Interpretar restritivamente o art. 150, VI, “d”
da Constituição, atendo-se à mera literalidade do texto e olvidando-se
da evolução do contexto social em que ela se insere, implicaria
inequívoca negativa de vigência ao comando constitucional. 6. A melhor
opção é a interpretação teleológica, buscando aferir a real finalidade
da norma, de molde a conferir-lhe a máxima efetividade, privilegiando,
assim, aqueles valores implicitamente contemplados pelo constituinte. 7.
Dentre as modernas técnicas de hermenêutica, também aplicáveis às
normas constitucionais, destaca-se a interpretação evolutiva, segundo a
qual o intérprete deve adequar a concepção da norma à realidade
vivenciada. 8. Os livros são veículos de difusão de informação, cultura e
educação, independentemente do suporte que ostentem ou da matéria prima
utilizada na sua confecção e, como tal, fazem jus à imunidade
postulada. Precedente desta E. Corte: Turma Suplementar da Segunda
Seção, ED na AC n.º 2001.61.00.020336-6, j. 11.10.2007, DJU 05.11.2007,
p. 648. 9. A alegação de que a percepção do D. Juízo a quo ingressa no
campo político não merece acolhida, haja vista que interpretar um
dispositivo legal é exercício de atividade tipicamente jurisdicional.
10. Não há que se falar, de outro lado, em aplicação de analogia para
ampliar as hipóteses de imunidade, mas tão-somente da
adoção de regras universalmente aceitas de hermenêutica, a fim de
alcançar o verdadeiro sentido da norma constitucional. 11. Apelação e
remessa oficial improvidas.” (Apelação em Mandado de Segurança nº 216577 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Publicado no DJF-3 de 03.11.2008 )
“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – IPI E II - IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA – ART. 150, VI, “D” DA CF/88 – MATERIAL DIDÁTICO DESTINADO
AO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA EM FORMATO CD-ROM, CD ÁUDIO, FITAS DE VÍDEO,
FITAS CASSETE – POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO A imunidade,
como regra de estrutura contida no texto da Constituição Federal,
estabelece, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de
direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de
tributos que alcancem situações específicas e determinadas. O disposto
no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal se revela
aplicável, uma vez que novos mecanismos de divulgação e propagação da
cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos. são alcançados pela imunidade. A norma que prevê a imunidade
visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo a
liberdade de comunicação e pensamento, alcançando os vídeos, fitas
cassetes, CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos, pois o legislador apresentou esta intenção na regra no dispositivo constitucional. Apelação provida.” (Apelação em Mandado de Segurança nº 307236. Publicado no DJF-3, CJ1, de 27.10.2009, página 58)
“IMUNIDADE. LIVROS. QUICKITIONARY.
CF/88, ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D. Hoje, o livro ainda é conhecido por
ser impresso e ter como suporte material o papel. Rapidamente, porém, o
suporte material vem sendo substituído por componentes eletrônicos,
cada vez mais sofisticados, de modo que, em breve, o papel será tão
primitivo, quanto são hoje a pele de animal, a madeira e a pedra. A imunidade,
assim, não se limita ao livro como objeto, mas transcende a sua
materialidade, atingindo o próprio valor imanente ao seu conceito. A
Constituição não tornou imune a impostos o livro-objeto, mas o
livro-valor. E o valor do livro está justamente em ser um instrumento do
saber, do ensino, da cultura, da pesquisa, da divulgação de idéias e
difusão de ideais, e meio de manifestação do pensamento e da própria
personalidade do ser humano. É por tudo isso que representa, que o livro
está imune a impostos, e não porque apresenta o formato de algumas
centenas de folhas impressas e encadernadas. Diante disso, qualquer
suporte físico, não importa a aparência que tenha, desde que revele os
valores que são imanentes ao livro, é livro, e como livro, estará imune a
impostos, por força do art. 150, VI, d, da Constituição. O denominado
quickitionary, embora não se apresente no formato tradicional do livro,
tem conteúdo de livro e desempenha exclusivamente a função de um livro.
Não há razão alguma para que seja excluído da imunidade
que a Constituição reserva para o livro, pois tudo que desempenha a
função de livro, afastados os preconceitos, só pode ser livro.” (Apelação
em Mandado de Segurança nº 200070000023385 do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região. Publicado no DJ de 03.10.2001, página 727)
Posição contrária
Mas, apesar da jurisprudência de diversos Tribunais
privilegiarem o entendimento da extensão da imunidade tributária aos
livros eletrônicos, cabe mencionar que em decisão no Recurso
Extraordinário 330.817 (Dje – 040, publicado em 05/03/2010) o Ministro
Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal entendeu que a imunidade
tributária dos livros em papel não é extensiva aos livros em formato
eletrônico.
Em seu voto o Ministro Dias Toffoli conheceu do recurso
extraordinário e lhe deu provimento para denegar a segurança, com base
nos argumentos de que “a jurisprudência da Corte é no sentido de que a
imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição
Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros
insumos que não os compreendidos na acepção da expressão “papel
destinado a sua impressão”, citando, ainda, outros precedentes da Corte
para fundamentar sua tese com a mesma linha de raciocínio, conforme se
vê em sua decisão: “Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI,
“d” da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos
não compreendidos no significado da expressão ‘papel destinado à sua
impressão’. Precedentes do Tribunal”.
Esta decisão já foi objeto de nossos comentários[4], onde expusemos nosso pensamento nos seguintes termos:
“Porém, com o devido respeito à decisão do Ministro Dias Toffoli do
STF, acredito que o tema deve ser um pouco mais debatido, principalmente
pelo fato da sociedade estar vivendo uma verdadeira revolução do
conhecimento através de diversas ferramentas digitais e, negar a
extensão da imunidade tributária aos livros no formato eletrônico
contraria a tese que amplia e facilita a difusão das informações,
conhecimento e cultura, garantindo a liberdade da comunicação e do
pensamento. Acredito ainda que ao se analisar essa matéria, é mais
importante considerar-se a questão da liberdade e da propagação do
conhecimento, ao invés de ficar-se restrito ao meio físico em que essa
informação está inserida.”
A questão da imunidade tributária dos livros eletrônicos deve ser
analisada de forma mais ampla e entendida em seu sentido finalístico,
garantindo a manifestação do pensamento, da cultura e da educação.
Restringir essa imunidade ao formato papel é fechar os olhos diante
dos inegáveis avanços que a tecnologia proporciona, tributando-se ainda
mais a liberdade ao conhecimento, à cultura e à manifestação do
pensamento deste país.
Assim, acreditamos juntamente com grande parte dos Tribunais que a
imunidade aos livros eletrônicos deve ser compreendida em seu sentido
finalístico, garantindo a manifestação do pensamento, da cultura e a
expansão da educação.
[1] Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 55839-9/189 de 5/12/2002.
[2] Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível 1996.001.01801.
[3] Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Processo 1998.04.01.090888-5, Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto.
[4] http://www.fiscosoft.com.br/a/50fh/re-330817-stf-posicao-contraria-a-extensao-da-imunidade-tributaria-dos-livros-eletronicos-alexandre-pontieri
Alexandre Pontieri é
advogado; pós-graduado em Direito Tributário pela UniFMU, em São Paulo e
em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado
de São Paulo.
Texto extraído do site CONJUR
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