O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, recentemente, a tributação de
lucros de coligadas e controladas localizadas em paraíso fiscal quanto
ao aspecto temporal. A Corte identificou o momento de incidência dos
tributos brasileiros sobre os resultados auferidos no exterior, bem como
reconheceu a inconstitucionalidade da norma que previa a retroatividade
da tributação dos lucros apurados até 31 de dezembro de 2001. Agora,
depois de julgada a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 2.588,
as ações que tiveram o andamento suspenso, aguardando o posicionamento
do Supremo, serão retomadas. E muitas dessas ações têm um objeto mais
amplo do que o tema julgado.
Nessas ações, além da
discussão sobre a tributação de lucros apurados em investidas no
exterior, é também tratada a questão da ilegitimidade da tributação do
resultado positivo decorrente da aplicação do método da equivalência
patrimonial. Em poucas palavras, a equivalência patrimonial consiste na
aplicação da percentagem de participação da investidora no capital
social da investida sobre o valor do patrimônio líquido de cada
coligada, sua equiparada e controlada. O registro de investimento pelo
método da equivalência patrimonial é obrigatório para as pessoas
jurídicas que possuem participação em empresas coligadas ou controladas,
inclusive localizadas no exterior, que sejam qualificadas como
investimento relevante nos termos da legislação.
A Adin 2.588 tratou exclusivamente de
dispositivos da Medida Provisória nº 2.158-35/01. Ocorre que a Receita
Federal, sob o pretexto de regulamentar os artigos 34 e 74, editou a
Instrução Normativa nº 213, de 2002, introduzida com o propósito de
dispor sobre a tributação de lucros, rendimentos e ganhos de capital
auferidos no exterior pelas pessoas jurídicas domiciliadas no país. Mas a
referida Instrução Normativa foi além. Em seu artigo 7º, parágrafo
primeiro, determinou que os valores relativos ao resultado positivo da
equivalência patrimonial, não tributados no transcorrer do
ano-calendário, deveriam ser considerados no balanço levantado em 31 de
dezembro do ano-calendário para fins de determinação do lucro real e da
base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
As ações serão retomadas e muitas têm objeto mais amplo do que o tema julgado
Porém, nem tudo que é resultado positivo
da equivalência patrimonial é lucro. Há casos em que o resultado
positivo decorre de simples variação cambial nas hipóteses de
investimento em participação societária no exterior. Segundo essa regra,
mesmo aquelas pessoas jurídicas investidoras cujas coligadas ou
controladas no exterior tivessem apurado prejuízo, na hipótese de
ocorrência de variação cambial positiva, refletida no balanço em
decorrência da aplicação do método da equivalência patrimonial, deveriam
integrar esse resultado à base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica (IRPJ) e da CSLL.
Os efeitos danosos dessa norma
evidenciaram-se em 2001, quando diversos contribuintes em razão da
volatilidade do dólar, refletiram em seus balanços os resultados
positivos correspondentes exclusivamente à variação cambial, apesar de
suas investidas terem apurado prejuízo. Em razão da aplicação do método
da equivalência patrimonial, ampliou-se ilegitimamente a base de cálculo
do IRPJ e da CSLL tributando não só o lucro apurado pela investida.
O parágrafo primeiro do referido artigo
7º viola o princípio da legalidade. Isso porque a Receita Federal
pretendeu, por meio de uma Instrução Normativa, inovar o ordenamento
jurídico tributário brasileiro, alargando o critério material do IRPJ e
da CSLL e as respectivas bases de cálculo, extrapolando totalmente a
função regulamentar de ato normativo supralegal. De fato, o artigo 74 da
MP 2.158-35/01 que disciplinou exclusivamente lucros auferidos no
exterior, objeto da Adin 2.588, não alcançou a variação cambial, que,
aliás, não é auferida nem pela investida. Mas trata-se de um simples
elemento informativo na contabilidade da investidora, sem qualquer
reflexo tributário quando considerado isoladamente. Pela neutralidade
fiscal da aplicação desse método de avaliação de investimento, o artigo
389 do Regulamento do Imposto de Renda determina que não serão
computadas na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do
valor do investimento em sociedades estrangeiras coligadas ou
controladas que não funcionem no país.
A 2ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), reiteradamente, tem julgado a favor dos contribuintes
pela ilegalidade da tributação do resultado positivo de equivalência
patrimonial acima da proporção do que representa lucro distribuído. O
Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, na maioria dos
julgamentos, também tem acompanhado essa orientação. Agora, as ações que
tiveram o andamento suspenso serão retomadas pelo Poder Judiciário.
Resta saber se os julgadores manterão esta mesma posição.
Verônica Sprangim é especialista em direito tributário do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados
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